Solo.


Venho percebendo muitos de nós fazendo um movimento numa direção diferente da que mirávamos antes de decretada a gravidade do agora, e hoje nas trocas com uma amiga querida ela falou em "volta pra casa".

Estamos mudando de casa, de cidade, de ideia, justamente por que o modo de vida de tantos de nós ficou insustentável, por razões distintas. Falta de dinheiro, de perspectiva, de sentido. Então penso nessa volta pra casa não só no sentido figurado mas simbólico, especialmente pensando que tanta gente hoje mal tem casa, ou opção. Mudança não necessariamente de localização geográfica, mas de direção, rumo, rota, foco. De expectativas.

O mundo ficou doente e a culpa é nossa. Pra onde corríamos obcecadamente, atropelando uns aos outros, não compensa. Outro destino precisa ser possível. A ganância que é tão humana e que é o legado que transmitimos à tantas gerações é a fonte de um perverso egoísmo, de desconexão e da miséria das almas.

Voltar pra casa como um voltar pra si, sua própria complexidade, tão particular e divina, buscando se distrair menos com a sedução que os dispositivos de poder exercem sobre nós. Cada um que desperta cura um pouco à todos, ao todo. Resgatar a potência que tínhamos e que capturaram, o poder que é adquirido quando precisamos de cada vez menos para estarmos bem, consumindo o mínimo, desfrutando ao máximo. Cultuar experiências de troca e aprendizado, ter a autonomia de fazer sua comida e comer o que a Terra dá, conhecer outros reinos, animal, vegetal, mineral, observar os ciclos, seus e da natureza, dar atenção aos seus amigos, se emocionar com singelas manifestações de afeto, observar qualquer outra complexidade com compaixão e respeito, e tanto que eu nem sei pensar agora, só intuir.

Ela falou em picar os legumes com calma e cozinhar no fogão a lenha, que é lento. Tomar banho de bacia com alecrim e camomila, que é mágica. Ela falou em ternura e amorosidade. Que a simplicidade nos salvará.

Eu quero uma vida dessa, eu quero conseguir fazer as pazes, desconstruir as ilusões, quero treinar essa escuta silenciosa, me misturar tanto na paisagem a ponto de esquecer quem fui. E, refeita, me apossar desse solo que é verdadeiramente (m)eu.

 

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